TDAH
e o insucesso na escola
Por Dra. Evelyn Vinocur
Entre o ensinante e o
aprendente abre-se um campo de diferenças onde se situa o prazer de aprender. O
ensinante entrega algo, mas para poder apropriar-se daquilo o aprendente
necessita inventá-lo de novo. É uma experiência de alegria, que facilita ou perturba,
conforme se posiciona o ensinante. Ensinantes são os pais, os irmãos, os tios,
os avós e demais integrantes da família, como também os professores e os
companheiros na escola.
É importante analisar, para
tanto, do que a família exatamente se queixa quando procura um psicopedagogo.
Ela pode vir ao consultório porque está exausta e precisa de ajuda, ou porque a
escola pediu uma avaliação, ou ainda, porque a psicóloga quer uma visão
psicopedagógica para traçar uma estratégia de abordagem junto à escola, ou
ainda porque o neurologista mandou. Para cada demanda, lê-se uma necessidade
diferente e uma possibilidade de envolvimento mais ou menos comprometida com a
criança e seu desenvolvimento. É diferente se a queixa se concentra na
preocupação dos pais com o futuro de seus filhos, ou se a queixa tem por
interesse o bom andamento das avaliações escolares.
Posto dessa forma, nos
interessa não apenas se a criança sofre de um transtorno, um déficit ou uma
síndrome, mas também quem são os ensinantes dessa criança. Esse dado será
fundamental para traçarmos um plano de ação que se estenda à família, à escola
e aos outros profissionais que podem estar envolvidos no processo.
Os pontos em comum
Tem sido muito comum nos
consultórios de psicopedagogia a queixa de pais que verdadeiramente desabam,
denunciando estarem exaustos com a rotina estressante que seus filhos lhes
impõem. Discorrem as várias estratégias já tentadas com o objetivo de
atendê-los em suas necessidades e agitação, todas elas, na maioria das vezes,
ineficazes. Os pais compreendem o que acontece com seus filhos e ficam
perplexos diante do tumultuo que causam em suas famílias. À medida que se
estabelece a anamnese, é comum os pais se referirem ao transtorno do Déficit de
Atenção/ Hiperatividade (TDAH).No entanto, junto com a demonstração de
conhecimento do fato, aparece o discurso de que seus filhos são inteligentes,
que quando lhes interessa prestam atenção, que eles aprendem só o que não é
para aprender, que eles esquecem as matérias da escola, mas lembram com
detalhes das regras de um game. Enfim, evidencia-se a dúvida em relação ao
transtorno por entenderem que, se tivessem o transtorno (TDAH) teriam de ser
menos inteligentes e menos competentes de forma geral.
O mesmo acontece com os professores.
Quando procurados para saber o motivo pelo qual encaminharam ou deram apoio
para a procura de um diagnóstico psicopedagógico de determinado aluno, é comum
revelarem que ficam na dúvida entre um transtorno de Déficit de Atenção e o
perfil de preguiçoso. Muitos professores entendem o comportamento de uma
criança agitada e dispersa como falta de vontade para estudar, para fazer as
lições, terminar uma prova, etc. Quando tentamos tipificar o comportamento, os
professores afirmam que quando eles desejam, fazem; que eles não param quietos,
no entanto ficam horas e horas na frente do computador ou tocando um
instrumento, não decoram a tabuada, mas sabem cantar uma música inteira. Alguns
professores reclamam que esses alunos são terríveis, não param quietos e não
respeitam regras e contratos disciplinares, porém sabem todas as regras do
futebol. Percebem que a criança é inteligente para algumas coisas e muito ágil
mentalmente para tudo que lhes interessa, menos para os estudos.
Ouvindo tanto os pais quanto
os profissionais da escola o que se percebe é o cansaço que essas crianças
causam em seus pais e professores e a dúvida de como eles, sendo tão ágeis e
inteligentes, não conseguem prestar atenção e desenvolver, com sucesso, atividades
corriqueiras do dia-a-dia, que são propostas tanto pela família quanto pela
escola, tais como arrumar o quarto, fazer as lições escolares, obedecer a
regras combinadas, dentre outras. A incapacidade de prestar atenção ou de ficar
quieto leva os adultos que convivem com essas crianças a considerá-las
malandras e, freqüentemente, são rotuladas de irresponsáveis, malcriadas,
endiabradas, avoadas, surdas e até mesmo, pouco inteligentes. O rol costuma ser
de adjetivos pejorativos e, como resultado, os pais e educadores vivem
conflitos entre sentirem-se impotentes diante da criança e a vontade de
ajudá-los. Não percebem o esforço que essas crianças fazem para obter sucesso
em suas tarefas e que se fazem coisas com aparente facilidade é porque estavam
altamente estimulados para aquela investida.
O Transtorno de Déficit de
Atenção/Hiperatividade
Esse transtorno tem por característica
essencial “um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade,
mais frequente e grave do que aquele tipicamente observado nos indivíduos em
nível equivalente de desenvolvimento”. (Manual de Transtornos Mentais – DSM).
Quando a criança apresenta
problemas de convívio social, de rendimento escolar, ou ambos, fica mais fácil
identificá-los e encaminhá-la para atendimento. O diagnóstico é clínico e
caracteriza-se por duas formas: predomínio do padrão hiperativo-impulsivo e
tipo predominantemente desatento, embora possa haver o tipo combinado, que
apresenta características dos dois grupos.
Para ser considerado
portadora de TDAH é preciso que a criança apresente os sintomas há mais de seis
meses e que eles apareçam em situações diversas. A criança predominantemente
hiperativa-impulsiva apresenta inquietação, não parando sentada ou quieta - não
se mantém sentada por muito tempo, cai da cadeira, se mexe mais do que o
necessário, anda mais do que o necessário, fala excessivamente, não consegue
esperar que o outro termine o que está falando, tem muita dificuldade em
permanecer em silêncio, responde a perguntas antes que elas sejam formuladas
completamente, age como se fosse “movida a motor” e tem dificuldade para
esperar sua vez.
A predominantemente
desatenta tem dificuldade para prestar atenção, esquece coisas rotineiras ou
deixa de fazer coisas importantes, parece não ouvir quando se fala com ela, tem
dificuldade de organização e não enxerga detalhes. Frequentemente perde objetos
e não suporta atividades que requeiram esforço mental prolongado.
Ambas podem, ainda,
apresentar dificuldade para terminar uma tarefa, para respeitar limites e
regras, para dormir e para relacionar-se. Algumas crianças não suportam
frustrações e, por conseqüência, frustram-se muito; outras não avaliam o
perigo, não aprendem com os erros do passado e são difíceis de agradar. Há, também,
as que são agressivas, inflexíveis e com percepção sensorial baixa. Muitas
crianças têm dificuldades com a aprendizagem e com as tarefas escolares.
O diagnóstico: como avaliar?
Para se chegar a um diagnóstico satisfatório,
é necessário que a criança apresente pelo menos seis dos sintomas acima
relacionados, em ambientes diferentes como casa, escola, clube, casa de
parentes, etc., e que os sintomas tenham aparecido antes dos sete anos de
idade.
O encaminhamento para um
neuropediatra é imprescindível para isolar outras possibilidades diagnósticas
como depressão, ansiedade, conduta destrutiva, e outros diagnósticos.
Paralelamente ao exame médico, busca-se entender as queixas da família e as
queixas da escola. Algumas crianças já têm atendimento psicológico, outras necessitarão
desse atendimento.
Precisamos tipificar a
dinâmica familiar da criança: a qualidade das relações parentais e filiais, o
exercício da autoridade, a divisão de tarefas domésticas, a circulação do
conhecimento, o lugar de cada um na família, assim como é imprescindível
conhecer o seu contexto educacional: o colégio e a metodologia adotada por ele,
as exigências acadêmicas, o tipo de atividades propostas pelos professores,
como trabalham os conteúdos, o tempo destinado a cada aula, como lidam com a
indisciplina e o tipo de avaliação de desempenho escolar.
Como o TDAH é considerado um
distúrbio biopsicossocial que atinge de 3% a 5% as crianças em idade escolar, e
preferencialmente meninos, o seu conhecimento e a existência de um plano
estratégico construído para cada criança é diferencial determinante no
tratamento. Muitas famílias acreditam que, com a maturidade, o déficit
desapareça e optam por aguardar “que essa fase passe”. No entanto, o mais comum
é persistir a dúvida, apesar do diagnóstico quanto à forma mais eficaz de
trabalhar com a criança, ou até mesmo, duvidar da veracidade das informações e
dos sintomas listados, “Se estivesse interessado, lembraria....” ou ainda,
“Isso para mim é pura irresponsabilidade...”
O diagnóstico é clínico e
não existem exames laboratoriais para detectar o déficit, portanto, é
importantíssimo um conjunto de observadores atentos e criteriosos voltados ao
objetivo de avaliar cada criança em suas especificidades.
É ponto de concordância que
avaliar é necessário para que possamos entender e atender com competência a
criança com TDAH, no entanto, não é raro a escola ou a família receber o
diagnóstico e não saber o que fazer com ele. Não basta termos o diagnóstico em mãos,
é necessário avaliarmos a situação sob o ponto de vista biológico, social e
acadêmico. É importante destacar que a TDAH tende a perdurar ao longo da vida,
ou seja, ela pode ser controlada, mas os adolescentes e adultos também sofrem
as suas manifestações, principalmente se não forem tratadas.
No diagnóstico clínico, o
neuropediatra dará as informações da situação orgânica da criança, mas
geralmente a queixa aparece por uma necessidade escolar ou de relacionamento.
Nessa perspectiva, a
avaliação visa reorganizar a vida escolar e doméstica da criança e do
adolescente e, somente neste foco ela deve ser encaminhada. Vale dizer que fica
vazio o pedido de avaliação apenas para justificar um processo que está
descomprometido com o aluno e com sua aprendizagem. “De fato, se pensarmos em
termos bem objetivos, a avaliação nada mais é do que localizar necessidades e
se comprometer com sua superação” (VASCONCELOS, 2002, p 83 ).
Devemos ter muito cuidado ao
avaliarmos uma criança, pois a hiperatividade está “em moda”. Todas as crianças
agitadas são chamadas de hiperativas, o que, na grande maioria das vezes, não é
verdade. A falta de limites e da presença de pais e professores educadores e
disciplinadores pode vir a confundir e a rotular, inadequadamente, crianças e
adolescentes que, de fato, não precisam de medicamentos, mas da presença de
adultos comprometidos com sua formação e desenvolvimento.
O insucesso escolar
As crianças com TDAH, em sua maioria, até
sabem o que deveriam fazer, mas devido à inabilidade de controlarem-se, não
agem como sabem que deveriam – agem antes de pensar! Vale dizer que elas sabem
que deveriam prestar atenção na aula, mas não prestam, levantam-se apesar de
saberem que não deveriam levantar.
O TDAH não afeta a inteligência
da criança, mas a sua aprendizagem. Na maioria dos casos, as crianças e
adolescentes tem uma boa ou até mesmo excelente condição de aprendizagem, fato
que se dissocia das produções escolares que chegam a ser medíocres, em muitas
situações.
Na escola, por exemplo, se é
dado um exercício com uma sequência de operações, muito possivelmente ela
consiga fazer as duas primeiras e depois não veja as próximas, ou esqueça algum
sinal. Na leitura de um enunciado, ao chegar ao final não lembra do que leu e
afirma não ter entendido, ou ainda, esquece o que leu. Se for impulsiva,
responde algo que lhe vem na mente naquele momento. Ao ler um livro, depois de
ter lido umas dez páginas não sabe do que está tratando o livro. Em um teste
escrito, poderá responder às questões da primeira página e entregar sem
perceber que o teste continuava no verso da folha. Basta um cachorro latir lá
fora para essa a criança ou adolescente perder a sua concentração. É o tipo de
criança que, quando se dá conta, já fez o que prometeu não fazer, já perdeu a
explicação que precisava tanto, já brigou, enfim...
Em casa necessitam de ajuda
para fazer as lições, têm suas coisas em desordem, não sabem o que é para fazer
ou estudar, esquecem a agenda na escola, levantam-se para pegar um copo de água
e não voltam para suas tarefas...
Nesse cenário, o insucesso
escolar fica vinculado à compreensão que se tem do papel da escola. Se
entendermos que o papel da escola é construir conhecimento com “todos” os
alunos, certamente os profissionais da escola procurarão formas de promover
aprendizagens. A rigidez da escola pode gerar, além do fracasso escolar e do
sentimento de incapacidade, uma situação emocional desfavorável à aprendizagem,
gerando baixa auto-estima e desestimulando e dificultando, ainda mais, a
aprendizagem da criança ou do adolescente. Não é raro um aprendiz apresentar-se
dizendo: “Sou burro para os estudos. ”Igualmente importante e, talvez até mais
determinante, é a rigidez da família ao não aceitar seu filho como ele é e entender
que cada um de nós tem suas dificuldades e pontos a serem superados. Respeitar
e apoiar o aprendiz em seus propósitos de desenvolver-se é fundamental no caso
das crianças hiperativas.
Como intervir?
Não basta termos um
diagnóstico adequado e nem a escola propor-se a adequar estratégias
metodológicas para que a criança ou o adolescente consigam aprender e se instrumentalizar
academicamente.
É importante reunir, para
conversarem, os profissionais que atendem a criança, a família e os professores
e coordenadores pedagógicos da escola que frequenta, para que seja traçado,
para cada caso, uma linha de ação em termos de responsabilidades da escola, da
família e dos profissionais que lidam com a criança. O que deve permear essa
reunião é a coerência entre as diferentes propostas e possibilidades concretas de
se realizar o que se propõe.
A escola assume o papel
pedagógico do processo, no entanto, respaldada pelos profissionais que atendem
a criança e validado pelos pais. Os pais montam estratégias domésticas,
orientados pelos profissionais e validados pelos professores da escola. E os profissionais
traçam objetivos que atendam às demandas dos pais e dos professores. Todos
devem se reunir sistematicamente para avaliar a evolução e reprogramar
estratégias.
Para cada criança ou
adolescente deve-se estabelecer uma estratégia diferente que esteja em
consonância com os objetivos e queixas dos pais e professores. Para cada escola
um tipo de atendimento e de trocas. Com isso queremos dizer que não existe
receita e nem uma proposta de “comece por aqui”, mas uma forma de entender e
atender a cada uma das crianças, individualmente.
Entendemos como o mais
importante, a disposição dos pais em modificar comportamentos e hábitos, ou
seja, sair da queixa, entendendo que todos devem mudar juntos para continuarem
sendo família. Também é primordial a escola abrir-se para esse “multidiálogo”
até conseguir acertar uma forma de atingir a criança e motivá-la a trabalhar.
Certamente que não se acerta de primeira, que é preciso persistir, conversar,
tentar novamente, reavaliar e continuar estudando.
Entendemos que o grande
objetivo da escola e da educação é construir sujeitos aprendizes, autores de
sua vida e resilientes para promoverem aprendizagens e enfrentarem suas
dificuldades.
Temos de nos reunir, em
posturas de parceria de modo que todos se voltem ao ajustamento de
procedimentos que viabilizem o desempenho acadêmico e social das crianças que
apresentem dificuldades com sua aprendizagem. Entendo que uma família ou uma
escola que tem uma criança ou adolescente com TDAH não tem um problema, mas uma
situação para administrar. Porém, se não for encarada com seriedade,
competência e sensibilidade, aí sim, pode vir a tornar-se um transtorno em suas
vidas.
Urge passar à ação,
assumindo a idéia de que o desenvolvimento de capacidades de desenvolvimento no
sentido de tornar as pessoas e as organizações mais resilientes é uma
prioridade na formação do novo cidadão. Mais é um imperativo social e
comunitário não só a nível local, mas também regional e global, planetário. O
mundo está a ficar demasiado rígido e intolerante, autoritário, ditaturial,
para defender os interesses egoístas de um número cada vez mais reduzidos de
privilegiados face à grande maioria dos que vivem com dificuldades,
desprotegidos, e, até, em extrema pobreza, miséria e outras formas de exclusão.
(Tavares, 2001, p.63)
É nesse quadro que proponho
a avaliação psicopedagógica e o planejamento de uma intervenção
multidisciplinar, pautada no compromisso de promover desenvolvimento,
auto-estima e condições de maturidade emocional para resolver problemas e
amadurecer o ser cognoscente.
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