sábado, 7 de janeiro de 2012

Coisas de escola pública

A cada ano letivo trabalho para que as coisas aconteçam diferentes pelo menos numa instituição de ensino da rede estatal. Entre erros e acertos, confesso que não tem sido fácil contrapor a cultura que teima em apequenar a escola pública, impondo aos alunos infraestrutura e processos de ensino e aprendizagem que os inferiorizam.
Não seria menos grave se os problemas que comprometem a qualidade social da escola pública ocorressem apenas na unidade onde eu trabalho. Infelizmente alguns parecem crônicos e, em maior ou menor intensidade, estão espalhados pelos quatro cantos dos municípios e estados brasileiros. Fosse esse quadro tão diferente, os indicadores não atestariam o insucesso da nossa educação.


Um conjunto de trapalhadas e desacertos históricos da gestão pública contribui para uma espécie de código - não escrito - que, excetuando-se as federais, distingue as escolas estatais daquelas da rede privada ou as escolas que funcionam mal daquelas que funcionam com regularidade. Não é raro se ouvir referências pejorativas, do tipo: "isso é coisa de escola pública." De fato, nas últimas décadas, tornaram-se coisas de escola pública:

a) os resultados pífios da maioria, quando são divulgados exames e índices oficiais que revelam o baixo desempenho dos alunos em relação às aprendizagens;

b) a definição dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental sem considerar as competências e habilidades na condução do processo de alfabetização e letramento;

c) a falta de gestão do seu próprio orçamento, diferente de como ocorre nas escolas particulares. Cada unidade deveria receber os recursos do investimento público por aluno e executá-los de acordo com o seu projeto;

d) a ingerência administrativa e pedagógica de órgãos intermediários e central, que executam programas e projetos, em detrimento da gestão autônoma da escola, do seu projeto pedagógico e do protagonismo da sua equipe;

e) a escolha técnica do gestor da escola, que deveria se dar mediante concurso público, ceder lugar à escolha pelo voto da comunidade escolar, bastando ser professor ou especialista do quadro da escola, como se esse critério fosse determinante para garantir a gestão democrática;

f) a realização de concursos públicos de contratação aleatória de professores e outros profissionais, sem estabelecer vagas por escolas e sem a inclusão de etapa final a ser conduzida por cada unidade, contemplando entrevista, checagem de referências e prova prática;

g) a presença e permanência de "profissional" que adoece para a escola pública, enquanto "vende saúde" para a instituição particular, o mesmo que escolhe o horário de trabalho na escola pública para realizar todo tipo de demanda pessoal ou profissional de outros vínculos, que alinhava processos, subtrai os direitos dos alunos e gera dificuldades ao funcionamento regular da escola, sem nenhuma cerimônia e observação à ética profissional;

h) os gestores públicos se inspirarem na média salarial dos professores das escolas particulares, diante dos vencimentos aviltantes que afastam os mais talentosos do ingresso no magistério público;

i) a constante luta dos professores por um plano de carreira decente, que os valorize enquanto profissionais e ofereça as condições dignas para seguirem no magistério;

j) a ausência de planejamento e/ou perenidade de uma burocracia grotesca que impede reformas e serviços de manutenção das instalações físicas dos prédios no período de férias e recesso escolar;

k) a ausência e/ou falta de manutenção/atualização da tecnologia, dos equipamentos e mobiliários fundamentais para a escola cumprir a sua função social;

.........

m) a imposição de um calendário escolar padronizado para todas as escolas de um mesmo município ou estado, desconsiderando as especificidades de cada unidade e a autonomia preconizada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação;

n) a determinação de sábado letivo mensal para todas as escolas, quando é de conhecimento de todos que em muitas instituições esse dia não funciona;

o) a prática de iniciar o ano letivo sem o quadro de servidores completo, permanência dessas carências por semanas, meses e até mesmo por todo ano, além de, por vezes, não ocorrerem substituições quando há vacâncias durante o percurso;

p) a ausência de agenda mensal de reuniões para planejamento e avaliação coletiva dos processos de ensino e aprendizagem e da gestão da escola em geral, bem como para a realização de uma consistente política de formação continuada dos profissionais;

q) os professores e parte dos especialistas trabalharem na escola, pelo menos de forma presencial, somente dois ou três dias para além dos 200 dias letivos/ano, dificultando a possibilidade de outras ações de relevâncias pedagógicas.

Caso houvesse mais espaço é possível que o abecedário fosse insuficiente para aduzir todas as "coisas de escola pública", dou-me por satisfeita, especialmente se para alguns interessar o debate e, sobretudo, a tarefa coletiva de refazer tal cultura.

Cláudia Santa Rosa, educadora, escreve a convite do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), que colabora às sextas-feiras.



Lei da força ou força da lei? (Parte I)

Para os sociólogos, estadistas e cientistas políticos em geral, dependendo de suas raízes político-ideológicas, a sobrevivência do Estado, a manutenção da ordem social e coletiva, repousa, para uns, na FORÇA DA LEI, para outros na LEI DA FORÇA. A história da humanidade traduz uma senda belicosa, de conquistas, vitórias e derrotas.

Para Nicolau Maquiavel, em sua obra prima "O Príncipe", o sustentáculo de qualquer governo assenta-se em boas leis e boas armas.

A visão maquiavélica das armas era própria da era absolutista, cujo mando dependia em grande parte da força, não aplicável na época contemporânea, que se fulcra em March Bloch, um dos fundadores da Nova História, isto é o estudo do homem em uma análise do seu tempo.

Com efeito, no pretérito, o Estado sempre se associou de um modo peculiar à força.

Nas suas origens, no seu crescimento, e até no atual controle que tem sobre os seus membros e nas suas relações com outros Estados, proclama-se que a força não somente é o seu último recurso, mas também o seu primeiro princípio, não somente a sua arma especial, mas a sua própria essência.

Uma sociologia bem fundamentada, preleciona Oppenheirme, no seu livro O Estado, "tem de considerar o fato de que a formação de classes, nos tempos históricos, não se deu pela diferenciação gradual numa competição pacífica, mas resultou da conquista e subjugação violenta".

Ainda, segundo afirmativa de antigo filósofo: "o conflito é o pai de todas as coisas, e o seu primogênito, criado à sua própria imagem e, afinal, o seu único herdeiro, é o Estado".

Tal visão doutrinária, cruamente exposta por autores como Subel e Treitschke, e vestida decentemente (com coloridos sofistas) por inúmeros escritores sobre o Estado, é ainda mais enganadora pela verdade parcial que contem. Pertence àquela espécie de "realismo" simplificador, que falseia tanto o curso do desenvolvimento histórico como as condições sociais de todas as realizações e motivos de conduta humana, além de exagerar grosseiramente a eficáciada força.

Contra atacando a dita escola, o Mestre R. Maclver, ex-professor de Filosofia da Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos, preleciona categórico: "O APARECIMENTO DO ESTADO NÃO FOI DEVIDO A FORÇA, EMBORA ELA IDUBITAVELMENTE TENHA TIDO UM PAPEL NO SEU PROCESSO DE EXPANSÃO".

Como se vê, a força não une. Força é um substituto para a unidade. Enquanto domina, não há unidade nem desenvolvimento. Algumas vezes, como serva da inteligência, prepara o caminho para a unidade. Tomar e reter pela força consome as energias dos que tomam e dos que resistem. Essas energias poderiam aplicar-se a esforço cooperativo.

Numa sociedade, por seu turno, são somente os estúpidos que procuram atingir os seus fins pela força. A força bruta alcança nenhum resultado. Se permitíssemos o seu livre exercício, ela destruiria a ordem da vida e dos hábitos, as amenidades e satisfação que vêm das atividades espontâneas e livres do homem civilizado.

Adalberto Targino, procurador do Estado e membro da Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas,

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